terça-feira, 25 de abril de 2017

COLUNA | PENSANDO NUM FILME... Por Sofia Cherto

Porque às vezes deveríamos prestar atenção nos que aplaudem ou deixam de aplaudir lá nos EUA
“Moonlight – Sob a luz do luar”


Barry Jenkins não ganhou o Oscar de melhor diretor em 2017, – mas deveria. Aquelas frases tão ditas, como “Não fazem nada novo hoje em dia” ou “Hoje, tudo é cópia” perdem o sentido frente a obras como “Moonlight – Sob a luz do luar”. A última exibição do Cineclube Darcy Ribeiro em parceria com o CAFFESP - Centro Acadêmico Florestan Fernandes (08/04) figurou um longa-metragem que prova a vastidão de potências ainda não exploradas no contexto audiovisual americano, tanto em termos de narrativa quanto de linguagem.

O filme é um estudo de personagem dividido em três atos. Momentos distintos da vida de Chiron, um jovem negro morador de Liberty city, uma comunidade pobre na Miami de 1980, são conectados por um complexo fio condutor: o endurecimento emocional do protagonista. Jenkins e Tarell Alvin McCraney (que escreveu a peça que deu origem ao filme, “In moonlight black boys look blue” – “Na luz da lua, garotos negros parecem azuis”) assinaram o roteiro e fizeram do que poderia ser um problema a potência da película. Magistralmente, escolheram tratar do tema principal de maneira verossímil e sensível através do desenvolvimento da relação de Chiron com três figuras centrais tão tridimensionais quanto ele: Juan (Mahershala Ali), traficante cubano que carrega o peso moral de seu ofício, Paula (Naomie Harris), mãe solteira do protagonista, cliente de Juan e dependente química, e Kevin (Interpretado, respectivamente, por Jaden Piner, Jharrel Jerome e André Holland), seu amigo mais próximo e com quem se envolve intimamente. Como os dois primeiros, este também vive um embate: Ou mantém suas relações com aqueles que oprimem Chiron ou arrisca-se para defendê-lo. 

Mesmo já dito tantas outras vezes durante o bem sucedido processo de divulgação do filme, se faz necessário reafirmar o quanto são raras as ocasiões em que tais temáticas são ovacionadas pela crítica, ou mesmo, conseguem chegar aos cinemas. Filmes que saem dos espaços e grupos geralmente retratados – leia-se: jovens brancos e heterossexuais de classe média – estão atraindo cada vez mais atenção da indústria audiovisual, obviamente, não ao ritmo que deveriam, e ainda com clara restrição temática. Apoiar projetos como “Moonlight” significa, não só uma oportunidade de entrar em contato com um universo cinematográfico ainda não explorado, mas a chance de pressionar comercialmente para o audiovisual brasileiro financiar a produção de roteiros nacionais que retratem de maneira tridimensional e coesa grupos não representados de maneira apropriada na grande mídia.

Acompanhar o sucesso de uma obra escrita e dirigida por “garotos” de Liberty city, estando em um país como o Brasil, é algo único. Justamente Miami, Flórida, terra prometida para determinados grupos sociais locais, é o cenário de uma trama que aborda as feridas da desigualdade de perto, sem deixar de trazer elementos universais que aproximam os tão idealizados Estados Unidos de outros países com problemas semelhantes. A complexidade do tecido social americano também aparece na equipe envolvida e no filme, abrindo outro precedente internacionalmente importante: Um dos sucessos mais estrondosos do ano não tem atores brancos.

A indústria audiovisual, como qualquer outra, segue tendências, mas em meio a essa discussão se faz importante lembrar que o triunfo de “Moonlight” vai muito além dos nomes que ilustram sua ficha técnica. É um filme bem escrito e imersivo com qualidade suficiente para sustentar-se enquanto obra inovadora, e consagrar Jenkins (assista seus outros filmes: “Medicine for Melancholy” (2008) e “My Josephine” (2003)) como um dos grandes diretores do momento. Não só pelo que sua trajetória pessoal representa, e pela história que resolveu contar, mas também, como é de se esperar de um bom filme, como ele o faz.

Em alguns momentos na história, substitui-se o som original de determinados acontecimentos por música clássica e o expectador vaga pela cena em uma experiência sensorial única que lembra o efeito conseguido por César Charlone na cena da galinha em “Cidade de Deus” (2003). Nestes instantes, nos vemos na cabeça do protagonista e a realidade se distorce pela emoção do personagem, não de forma a distanciar-se dela, mas de aprofundar a relação do expectador com o que está acontecendo. O fascinante jogo de cor e som não é mera demonstração masturbatória de técnica, como as piruetas de Sandra Bullock em “Gravidade”, mas sim, uma forma inteligente de conectar o expectador ao que realmente importa: o complexo, vivo, humano, autobiográfico, representativo e único, Chiron. 



2 comentários:

  1. Adorei a publicação.
    Acrescento que é muito legal a ruptura que se faz com a expectativa do público de se esperar que o filme aborde apenas conflitos raciais, e somando o sofrimento já conhecido, acrescente a grande problematização que é além de ser preto, ser gay e homem. O debate sobre a obra na FESP clareou entre outras coisas, ao fato de que o opressor também carrega fortes dores. A negação de si mesmo, e o medo de sair dos parâmetros consagrados elegantes custa na maioria das vezes os gestos mais simples e humanos que um indivíduo pode alcançar e cultivar em sua vida.
    Mariana, socio

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    1. Mariana, obrigada pelo seu comentário ;) São muitos os elementos que tornam este um filme especial e esta reflexão é excelente.

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