quarta-feira, 17 de maio de 2017

CONTEXTO | VI ReACT

A VI ReACT é a Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia que está acontecendo na USP.

Com tema macro "entreviver", os encontros têm questionado a relação humana com outros outros: são plantas e animais, terras e atmosferas, rios e oceanos, técnicas e objetos. 

Em "ATMOSFERAS CRUZADAS" (16/05/17) palestrantes falaram sobre as percepções do ambiente em diferentes dimensões. Percepções sobre o vento, a poeira, a neblina, as temperaturas, sobre a gravidade e a falta dela - em mergulhos ou na Lua, colocam em evidência a potência do ambiente externo em determinar ou guiar o comportamento humano. As transformações decorrentes das mudanças climáticas, ou de outros impactos ambientais, são postas numa chave de perda de referências. "Os pássaros andam perdidos" (Carlos Iammini). Os sinais que a natureza dava para suprir a imprevisibilidade humana dos eventos climáticos estão "desregulados": as cigarras cantam, mas as chuvas não chegam. Se por um lado, a biologia explica as mudanças em termos de desequilíbrios e (re)equilíbrios constantes por parte da natureza, os fenômenos são colocados repentinamente diante das comunidades humanas e não-humanas, que dependem da adaptação às novas condições para sobreviver. Tal discussão dialoga com a proposta do filme "Para onde foram as andorinhas?", produzido pelo ISA e Instituto Catitu, que mostra de forma sensível como os povos que habitam o Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, estão percebendo e sentindo em seu dia a dia os impactos das mudanças do clima. Uma discussão atual e relevante, da qual a antropologia não pode se ausentar.

O debatedor da mesa foi Mauro William Barbosa de Almeida (UNICAMP), teve como mediador André Sicchieri Bailão, coord. (USP), e contou com as seguintes participações:
Heid Jerstad (Univ. Edimburgo) trouxe sua experiência numa aldeia pahari no norte da Índia, em que estudou as implicações das mudanças climáticas nas vidas humanas. De que maneira esta população percebe o ar? A chuva? As temperaturas diárias de calor, frio, são entendidas de que maneira? Há percepção sobre mudanças nestas sensações?

Cristián Simonetti (PUC-Chile) apresentou uma reflexão sobre o pensar e sentir as relações ambientais no espaço, a partir de etnografias desenvolvidas sobre a sensação de suspensão, que alguns experimentam na ausência da gravidade (como o caso de astronautas na Lua) e em mergulhos na água.

Carlos Arturo Navas Iammini (Instituto de Biociências, USP). por outro lado nos apresentou a visão da Biologia sobre o termo biodiversidade na era do Antropoceno, vinculada à discussão atual sobre a importância de manutenção das espécies e os desequilíbrios/equilíbrios ambientais decorrentes de alterações, grande parte delas com origem na ação humana.


Em "VIDA MULTIESPÉCIE" (17/05/17) o humano perde a centralidade de perspectiva na produção do mundo, e o multinaturalismo de Viveiros de Castro se torna uma das referências obrigatórias, assim como Donna Haraway. Nas florestas de castanhais (Igor Scaramuzzi) ele não é o protagonista, mas faz parte de uma rede de parcerias que o coloca em outra chave na relação homem-natureza, muito diferente daquela que predomina na ciência ocidental - o homem como aquele que domina e controla os processos naturais. Neste sentido, será que podemos ir além e pensar também outras relações constituídas apenas entre animais ou vegetais? Multiespécie não pressupõe que uma das partes seja a humana, e nos coloca a possibilidade de outras ontologias. Um debate que atinge inclusive a antropologia enquanto ciência do humano, o que é humano? Continuará a excluir da humanidade outras espécies vivas? E o que é vida? É possível a construção de uma antropologia que inclua outras formas de humanidade? Sussekind nos indica que humanos são todos aqueles que tratamos como humanos, enquanto animais são todos aqueles que tratamos como animais, e estas categorias não são dadas pela biologia ou pela ciência, elas são fluidas e relacionais. Com isso, uma virada multiespécie se contorna na antropologia, com um grande desafio posto, que é o de se produzir etnografias não antropocêntrias.

A mesa teve como debatedor Guilherme José da Silva e Sá (UnB) e como mediadora Joana Cabral de Oliveira, coord. (UNICAMP), e contou com as seguintes participações:
Igor Alexandre Badolato Scaramuzzi (USP) apresentou teorias de quilombolas do Alto Trombetas/PA acerca da formação e reprodução das florestas de castanhais. Para além das teorias da Botânica, que focalizam as explicações ou na ação humana ou na disseminação das sementes pela cutia, os locais versam sobre uma rede de parcerias que inclui cutias, aramãs, outros vegetais e os humanos que, embora necessários ("onde não há gente, não há castanhas"), não ocupam o lugar de protagonistas do processo. 

Uirá Garcia (UNIFESP), ao falar da relação dos Awá-Guajá e os macacos capelão/bugio, colocou em evidência a existência de questões interespecíficas, que se desenrolam independentemente das humanas, como certas alianças de domesticação entre espécies (palmeiras e cigarras, macacos e formigas, semelhantes a humanos e gatos). Uirá alertou ainda para a situação que atinge os capelões, que estão sendo exterminados devido a suposta ligação com o surto de febre amarela que atinge o país; eles estão sendo vistos como transmissores, e não como vítimas que são, assim como os humanos.

Felipe Sussekind (PUC-RJ) questionou, dentro da própria antropologia, o conceito de vida. Falando de simbioses e parasitismos, ele foi de comunidades de gados e humanos entre os Nuer, às construções políticas capitalistas do Ocidente, que vinculam em condições de dependência várias nações. 

A ReACT apenas começou, ainda tem mais dois dias de programação.

por Jéssica Ferreira Cardoso

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