sexta-feira, 24 de março de 2017

COLUNA | PENSANDO NUM FILME... Por Sofia Cherto


De que forma (r)existir?: “A fonte das mulheres” e a resistência à opressão em todas as esferas da vida

E se elas, que sempre disseram “sim”, passassem a dizer “não”? Essa é a premissa de “A fonte das mulheres” (La Source des Femmes), longa-metragem escolhido pelo Cineclube Darcy Ribeiro e pelo Centro Acadêmico Florestan Fernandes - CAFFESP para a primeira exibição de 2017, que ocorreu em março na FESPSP. Ambientado em uma vila fictícia do Norte da África, surpreende ao utilizar-se de seu contexto particular para tratar do relevante tema universal do direito de protesto.

Quando as mulheres, tradicionalmente responsáveis pela árdua tarefa de buscar água na distante fonte que abastece o vilarejo, se revoltam contra os homens que nada faziam enquanto elas se arriscavam, um clima de guerra civil é instaurado. 

Mesmo sendo uma tarefa arriscada, por tradição, as mulheres do vilarejo eram 
as responsáveis por buscar a água. 

Leila (Leïla Bekhti), uma jovem recém-chegada que se muda para casar-se com um local, é a protagonista do movimento contra a inércia e comodidade dos homens. Incitando suas companheiras a não aceitarem a tarefa que lhes foi imposta desde o nascimento, é ela, a estrangeira, aquela que se torna o principal catalisador para a revolta que desestabiliza a organização social do grupo, as hierarquias lá estabelecidas e a visão que aquelas mulheres, que nasceram para servir, tinham de si mesmas.

A greve, considerada um insulto à autoridade masculina e às escrituras sagradas, foi recebida com violência tanto no micro quanto no macrocosmo, e talvez seja este o grande trunfo do filme: destrinchar, de maneira semelhante a que Geertz define como o trabalho do antropólogo, as minúcias que se escondem dentre as várias esferas da opressão que sofrem as mulheres do vilarejo, e as diversas maneiras encontradas por elas de resistir.

Os homens, responsáveis pela interpretação das leis, utilizavam-nas sempre em seu benefício, buscando justificativas para manutenção do status quo e negando a suas mães, esposas e filhas, o direito à vida política e pública. Em um primeiro momento, restava às mulheres contrapô-los somente dentro dos domínios reservados a elas, o Universo privado dos hábitos de dança, música e da vida a dois, mas com o desenrolar da repressão não resta dúvida: por mais válidas que sejam essas ferramentas de manifestação, elas não são suficientes. Precisavam elas ler e interpretar os textos bíblicos para que conseguissem entender a história em seus próprios termos e legitimar sua busca por equidade e justiça.

Na busca pelo reconhecimento da própria existência, elas precisam encontrar novas ferramentas de manifestação.

“A fonte das mulheres” transpõe, com tridimensionalidade, questões que definem nosso tempo utilizando-se do embate de gênero como metáfora: é possível uma democracia plena quando alguns não tem controle do seu destino ou posição na hierarquia social? Como transformar tradições sem romper todos os demais traços culturais que compõem uma determinada sociedade?

Para não revelar mais sobre as formas de provocação utilizadas pelas revoltosas, utilizamo-nos do princípio por trás do filme para fechar este texto. A ideia de “diálogo” proposta por Paulo Freire, nos parece ser, em essência, o que procuravam essas mulheres e o que devemos promover enquanto sociólogos: com profundo amor pela humanidade e pelo mundo, a consciência do outro, em todas as suas singularidades, para além da mera tolerância.

Em resumo: Assistam este filme!


A FONTE das mulheres. Direção: Radu Mihaileanu. Produção: Luc Besson, Denis Carot e Gaetan David. 2h10min. Paris Filmes, 2011.



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